23 abril 2011

A TERRA DE NINGUEM EXISTE



A Terra do Nunca ou Neverland é aquele lugar onde Michael Jackson instalou seu parque de diversões na Califórnia, Estados Unidos. Também é a terra da fantasia dos estúdios Walt Disney da infância de alguns de nós, onde Peter Pan continua sua guerra particular contra o perverso Capitão Gancho, tendo a cumplicidade da fadinha Sininho.

Mas tudo é sonho e fantasia, até mesmo na Neverland de Michael Jackson, apesar das constantes denúncias de pedofilia que foram impingidas ao Rei da Música Pop, morto há pouco tempo em situação bastante intrigante.

Mas e a Terra de Ninguém? Também é fantasia? Existe esse lugar?

Bom, primeiramente pelo nome, Terra de Ninguém parece bem diferente da Terra do Nunca, pois quer denominar um lugar do tipo Casa da Mãe Joana, onde ninguém manda em nada ou ninguém se responsabiliza por nada. Observando a Terra do Nunca, vê-se que por lá há alguém responsável. Na Neverland da Califórnia Michael Jackson dava as ordens; na Neverland dos estúdios Disney há personagens que ditam o regulamento, ora Peter Pan e Sininho, ora o próprio Capitão Gancho. Mas, na Terra de Ninguém tudo vai acontecendo aos borbotões, sem nenhum responsável por qualquer fato ocorrido por ali. E quando se chama à responsabilidade alguma autoridade nesse lugar, todos são unânimes em transferi-la a outrem.

Na Terra de Ninguém não há nenhum responsável pela segurança pública. Tudo ali acontece nas barbas das autoridades, se é que assim se pode chamar alguém por ali, e normalmente ninguém vai preso, pois se não há ninguém para cuidar da cadeia, não se pode prender alguém. Também naquela terra não existe responsabilidade pela saúde pública, pois as pessoas procuram os hospitais e postos de saúde e são atendidas por ninguém, pois não há alguém com coragem de atendê-los, tendo em vista as péssimas condições desses locais. Na educação há uma grande lacuna por parte do Estado na Terra de Ninguém, pois se alguém busca formação nessa terra não vai encontrar ninguém disposto a formar alguém, já que não há políticas públicas para empregar alguém depois de formado. O transporte público na Terra de Ninguém é feito sempre por alguém que não possui autorização alguma de ninguém. Por isso mesmo é o caos, com ônibus sem qualquer condição de rodar e transporte pirata de vans e carros particulares circulando em rotas sem a fiscalização de ninguém. Investimento em infra-estrutura na Terra de Ninguém parece que há muito não ocorre, embora o governo federal repasse verbas anualmente para isso. Suspeita-se que alguém tem ficado de posse desses valores, pois ninguém tem visto a cor do dinheiro há muito tempo por ali.

Mas o pior da Terra de Ninguém, e o que explica esse vácuo de responsabilidades, é que ela fica na fronteira de dois Estados. Seus moradores pisam diariamente nos dois torrões. Alguns trabalham a semana toda num Estado e moram no final de semana no outro. Pagam IPTU num Estado e contribuem com o INSS no outro.

Mas e na hora das eleições? Aí é que a coisa se complica ainda mais. Os moradores da Terra de Ninguém atendem apelos de políticos de ambos os lados, sem se dar conta de que a responsabilidade deve ser imputada a alguém quando não conseguem ser atendidos por ninguém. Mas os políticos que se aproveitam dessas manobras e iludem os eleitores da Terra de Ninguém sabem bem como se locupletarem das verbas públicas e repassarem a responsabilidade para alguém. Quando há deficiências na segurança, na saúde publica, na educação e no transporte público são capazes de imputar ao governo federal a responsabilidade que a constituição federal impõe à república e seu dever para com os estados federados. E isso se torna um eterno jogo de empurra entre esses estados e o governo federal.

Mas e aí? Vocês todos devem estar curiosos para saber aonde fica essa Terra de Ninguém, não é mesmo?

Pois ela existe e está bem próxima do centro do poder nacional, Brasília. Chama-se Região do Entorno do Distrito Federal. Ali é a chamada Terra de Ninguém, formada por vários municípios de Goiás, mas que por estarem na fronteira com o Distrito Federal ninguém assume a responsabilidade por seus habitantes, muito menos o governo goiano. A situação na Terra de Ninguém assumiu níveis tão alarmantes que foi necessária uma medida radical esta semana. Vejam o que dizem as últimas edições dos jornais da região a respeito do chamado Entorno do Distrito Federal:

A população do entorno já chega a um milhão de habitantes. Devido à proximidade demográfica, os governos do Distrito e Goiás se omitem, empurrando um para o outro a responsabilidade de administração da região e apelidaram os municípios de entorno de “Terra do Nem”, ou seja, nem de Brasília, nem de Goiás.

A presença do Estado nos municípios do entorno é mínima, todos os serviços públicos são de péssima qualidade - Saúde, Educação, carência de infraestrutura, asfalto, águas pluviais, água encanada e redes de esgoto.

A população do entorno se revolta constantemente protestando contra essa situação de descaso do governo brasiliense e goiano. O último protesto foi do município de Planaltina-GO contando com mais de 4 mil habitantes ocupando as ruas da cidade e tentativa de ocupação da prefeitura.

Nesta segunda-feira, a Força Nacional de Segurança Pública – FNSP com a suposta alegação de proteger a população contra a violência e criminalidade na região, a exemplo das UPP dos morros do Rio de Janeiro, intervém em sete municípios do entorno do DF.

Pra quem não sabe, fui morador do Planalto Central entre 1994 e 2003, quando assumi a gerência industrial de duas empresas produtoras de alimentos, uma em Taguatinga e outra em Brazlandia, cidades satélites do Distrito Federal. Ali pude conhecer essa realidade da qual estou tratando nesse momento, o Entorno. É uma Terra de Ninguém onde o Estado passa ao largo das necessidades da população. E nenhum governo assume a responsabilidade para resolução dessas mazelas.

Mas, não sei se somente ali se pode observar essa realidade. Me parece que bem próximo a nós existem outras “Terras de Ninguém”, quando vejo estacionar inúmeras ambulâncias em frente aos hospitais públicos da capital gaúcha. Será que ninguém assume esta que deveria ser a responsabilidade de alguém? E as escolas públicas estaduais? E os bancos assaltados com freqüência no interior do estado por falta de segurança pública e seus agentes? Não teremos por aqui também uma “Terra de Ninguém”?

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Meu caro colega Jairo,
muito bem apanhada a trazida da ’Terra de ninguém’. Hoje existem, espacialmente nos espaços urbanos (mormente em mega-aglomerados humanos) territórios que são conquistados por alguns (assim como quando das colonizações europeias em outros continentes) e transformam esses espaços em feudos onde eles são a Lei. Os piratas que dividiam mares para saques seccionam espaços urbanos para mando, repressão e pilhagem. A divisão de ruas entre os ‘flanelinhas’ é um micro exemplo.
Talvez esse não seja assunto para uma madrugada pascoalina.
Então desejo a ti aos teus votos de muitas alegrias pela Páscoa.

attico chassot
http://mestrechassot.blogspot.com