14 outubro 2017

O BORBOLETEIO COGNITIVO DA INTERNET

A leitura é capaz de transformar qualquer pessoa
pela capacidade de ver o mundo de outra forma
Se há uma coisa que transformou minha existência, indubitavelmente, foi a leitura. Desde que adotei o hábito de ler com frequência posso afirmar que para mim muita coisa mudou. Sou mais crítico desde então, mas também bem mais compreensivo com as questões existenciais. Por isso, vivo conclamando aos meus alunos e alunas para que busquem na leitura uma nova forma de ver o mundo.

Mas tenho observado que a Internet, através de seus pequenos excertos (aquilo que a gente chama de “Leitura Mínima”), atrai muito mais do que os meus apelos. E as Redes Sociais, diferentemente dos livros, ficam à disposição a qualquer hora e em qualquer lugar através dos smartphones. É uma concorrência desleal, com certeza. 

O peruano Mario Vargas Llosa e sua obra
"A civilização do espetáculo"
E nestas últimas semanas de setembro, um livro me entorpeceu ao tratar deste assunto. Um grande escritor da atualidade, peruano de nascimento e premio Nobel de Literatura em 2010, chamado Mario Vargas Llosa, escreveu “A civilização do espetáculo: uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura”. Escrito em 2013, a obra mostra uma visão do autor sobre o que se entende (ou entendia) por “cultura” e que, segundo ele, passou por uma metamorfose desde que o mesmo entrou na universidade, sendo adulterada com muita facilidade e com a aquiescência de todos.

Para uma resenha bem completa da obra, certamente teria eu que aqui acrescentar muitas páginas, o que pode desperdiçar o tempo dos leitores. Por isso, já não é de hoje que procuro ser econômico e sintético, e que para nós apreciadores do bom texto é quase o cometimento de um “crime”. Mas vamos lá...

Para o escritor, o progresso é fruto do empenho de
especialistas, e não da cultura
 
Llosa inicia sua obra referindo que a cultura de hoje é influenciada por um mercado que busca, antes de mais nada, o entretenimento. E que por causa disso, os próprios “intelectuais” tem se escondido ou desapareceram. Segundo ele “hoje vivemos a primazia das imagens sobre as ideias. Por isso os meios audiovisuais, cinema, televisão e agora a internet, foram deixando os livros para trás, que [...] dentro de não muito tempo estarão mortos e enterrados” (p. 41). 

Mas quando se fala em uma redução da qualidade da cultura em pleno século XXI, o autor salienta que o progresso demonstrado pelo avanço da tecnologia “é obra de especialistas e não de pessoas cultas” (p.63).

Num capítulo intitulado “É proibido proibir” Llosa dedica especial atenção à educação, citando alguns documentários recentes sobre agressões de que são vítimas docentes e discentes. Como não poderia deixar de ser, o autor remete a “maio de 1968” como uma possível origem desta barbárie. Destaca ele que em nenhum campo houve tamanha influência negativa para a cultura quanto na educação.

Observem um pequeno excerto extraído do conteúdo:

Para ele ainda, a qualidade da cultura também foi afetada
pelo despojamento da autoridade docente
“O mestre, despojado de credibilidade e autoridade, muitas vezes transformado, do ponto de vista progressista, em representante do poder repressivo – ou seja, no inimigo ao qual era preciso resistir e que se devia até mesmo abater, caso se quisesse alcançar a liberdade e a dignidade humana –, não só perdeu a confiança e o respeito sem os quais era impossível cumprir eficazmente sua função de educador – de transmissor tanto de valores como de conhecimentos – perante seus alunos, como também o dos próprios pais de família e de filósofos revolucionários que, à maneira do autor de Vigia e Punir, nele encarnaram um daqueles sinistros instrumentos – como os carcereiros e psiquiatras dos manicômios –, dos quais o establishment se vale para coibir o espírito crítico e a sã rebeldia de crianças e adolescentes.” (p. 76)
               
Muito mais ainda traz o autor da nossa realidade atual, e do quanto, para ele, a cultura perdeu nos últimos anos. Traços de uma liquidação do erotismo em troca da animalização da sexualidade, no capítulo “O sexo frio”, ou da influência religiosa sobre a qualidade da cultura, no capítulo “O ópio do povo”.

Mas quase no epílogo da obra, num artigo escrito para o periódico “El País” em julho de 2011, denominado “Mais informação, menos conhecimento”, pude ver minha ansiedade retratada e confirmada pelo autor, quando destaca a preguiça e a resistência da geração atual pela leitura. Diz ele:

Segundo Llosa, muitas pesquisas na internet não
passam de "borboleteios cognitivos"
“Esses alunos não tem culpa de serem agora incapazes de ler Guerra e Paz ou Dom Quixote. Acostumados a pescar informações nos computadores, sem precisarem fazer esforços prolongados de concentração, foram perdendo o hábito e até a faculdade de se concentrar, e se condicionaram a contentar-se com esse borboleteio cognitivo a que a rede os acostuma, com suas infinitas conexões e saltos para acréscimos e complementos, de modo que ficaram de certa forma vacinados contra o tipo de atenção, reflexão, paciência e prolongada dedicação àquilo que se lê”. (p. 192)

Mais adiante, ainda no mesmo artigo, ele destaca que não se pode deduzir que o progresso não ocorre por causa dessa cultura vigente, mas que devemos nos preocupar se esse progresso significa o que Van Nimwegen, biólogo estudioso do cérebro humano, “deduziu depois de um de seus experimentos: que deixar por conta dos computadores a solução de todos os problemas cognitivos reduz a capacidade do cérebro de construir estruturas estáveis de conhecimento. Em outras palavras: quanto mais inteligente nosso computador, mais burro seremos”. (p. 192 e 193)


Portanto, para aqueles que gostam de uma boa leitura que permita refletir sobre os dias atuais, sugiro esta obra instigante. Vale a pena...         

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