A leitura é capaz de transformar qualquer pessoa pela capacidade de ver o mundo de outra forma |
Se há uma coisa que
transformou minha existência, indubitavelmente, foi a leitura. Desde que adotei
o hábito de ler com frequência posso afirmar que para mim muita coisa mudou. Sou
mais crítico desde então, mas também bem mais compreensivo com as questões existenciais.
Por isso, vivo conclamando aos meus alunos e alunas para que busquem na leitura
uma nova forma de ver o mundo.
Mas tenho observado que a
Internet, através de seus pequenos excertos (aquilo que a gente chama de
“Leitura Mínima”), atrai muito mais do que os meus apelos. E as Redes Sociais,
diferentemente dos livros, ficam à disposição a qualquer hora e em qualquer
lugar através dos smartphones. É uma concorrência desleal, com certeza.
O peruano Mario Vargas Llosa e sua obra "A civilização do espetáculo" |
E nestas últimas semanas de
setembro, um livro me entorpeceu ao tratar deste assunto. Um grande escritor da
atualidade, peruano de nascimento e premio Nobel de Literatura em 2010, chamado
Mario Vargas Llosa, escreveu “A civilização do espetáculo: uma radiografia do
nosso tempo e da nossa cultura”. Escrito em 2013, a obra mostra uma visão do
autor sobre o que se entende (ou entendia) por “cultura” e que, segundo ele,
passou por uma metamorfose desde que o mesmo entrou na universidade, sendo
adulterada com muita facilidade e com a aquiescência de todos.
Para uma resenha bem
completa da obra, certamente teria eu que aqui acrescentar muitas páginas, o
que pode desperdiçar o tempo dos leitores. Por isso, já não é de hoje que
procuro ser econômico e sintético, e que para nós apreciadores do bom texto é
quase o cometimento de um “crime”. Mas vamos lá...
Para o escritor, o progresso é fruto do empenho de especialistas, e não da cultura |
Llosa inicia sua obra
referindo que a cultura de hoje é influenciada por um mercado que busca, antes
de mais nada, o entretenimento. E que por causa disso, os próprios
“intelectuais” tem se escondido ou desapareceram. Segundo ele “hoje vivemos a primazia das imagens sobre
as ideias. Por isso os meios audiovisuais, cinema, televisão e agora a
internet, foram deixando os livros para trás, que [...] dentro de não muito
tempo estarão mortos e enterrados” (p. 41).
Mas quando se fala em uma
redução da qualidade da cultura em pleno século XXI, o autor salienta que o
progresso demonstrado pelo avanço da tecnologia “é obra de especialistas e não de pessoas cultas” (p.63).
Num capítulo intitulado “É
proibido proibir” Llosa dedica especial atenção à educação, citando alguns
documentários recentes sobre agressões de que são vítimas docentes e discentes.
Como não poderia deixar de ser, o autor remete a “maio de 1968” como uma
possível origem desta barbárie. Destaca ele que em nenhum campo houve tamanha
influência negativa para a cultura quanto na educação.
Observem um pequeno excerto
extraído do conteúdo:
Para ele ainda, a qualidade da cultura também foi afetada pelo despojamento da autoridade docente |
“O
mestre, despojado de credibilidade e autoridade, muitas vezes transformado, do
ponto de vista progressista, em representante do poder repressivo – ou seja, no
inimigo ao qual era preciso resistir e que se devia até mesmo abater, caso se
quisesse alcançar a liberdade e a dignidade humana –, não só perdeu a confiança
e o respeito sem os quais era impossível cumprir eficazmente sua função de
educador – de transmissor tanto de valores como de conhecimentos – perante seus
alunos, como também o dos próprios pais de família e de filósofos
revolucionários que, à maneira do autor de Vigia e Punir, nele encarnaram um
daqueles sinistros instrumentos – como os carcereiros e psiquiatras dos
manicômios –, dos quais o establishment se vale para coibir o espírito crítico
e a sã rebeldia de crianças e adolescentes.” (p. 76)
Muito mais ainda traz o
autor da nossa realidade atual, e do quanto, para ele, a cultura perdeu nos
últimos anos. Traços de uma liquidação do erotismo em troca da animalização da
sexualidade, no capítulo “O sexo frio”, ou da influência religiosa sobre a
qualidade da cultura, no capítulo “O ópio do povo”.
Mas quase no epílogo da
obra, num artigo escrito para o periódico “El País” em julho de 2011,
denominado “Mais informação, menos conhecimento”, pude ver minha ansiedade
retratada e confirmada pelo autor, quando destaca a preguiça e a resistência da
geração atual pela leitura. Diz ele:
Segundo Llosa, muitas pesquisas na internet não passam de "borboleteios cognitivos" |
“Esses
alunos não tem culpa de serem agora incapazes de ler Guerra e Paz ou Dom
Quixote. Acostumados a pescar informações nos computadores, sem precisarem
fazer esforços prolongados de concentração, foram perdendo o hábito e até a
faculdade de se concentrar, e se condicionaram a contentar-se com esse borboleteio
cognitivo a que a rede os acostuma, com suas infinitas conexões e saltos para
acréscimos e complementos, de modo que ficaram de certa forma vacinados contra
o tipo de atenção, reflexão, paciência e prolongada dedicação àquilo que se
lê”. (p. 192)
Mais adiante, ainda no
mesmo artigo, ele destaca que não se pode deduzir que o progresso não ocorre por
causa dessa cultura vigente, mas que devemos nos preocupar se esse progresso
significa o que Van Nimwegen, biólogo estudioso do cérebro humano, “deduziu depois de um de seus experimentos:
que deixar por conta dos computadores a solução de todos os problemas
cognitivos reduz a capacidade do cérebro de construir estruturas estáveis de
conhecimento. Em outras palavras: quanto mais inteligente nosso computador,
mais burro seremos”. (p. 192 e 193)
Portanto, para aqueles que
gostam de uma boa leitura que permita refletir sobre os dias atuais, sugiro esta obra
instigante. Vale a pena...
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