20 maio 2016

ESTE ANO, UM SESSENTINHA

Houve um tempo em que dávamos adeus
à minha mãe até a noite
Lembro bem de minha infância, quando ainda desfrutava das delícias da irresponsabilidade, daquela mansidão de ter compromisso formal tão somente com as lições de casa. Enquanto meu pai viajava a serviço, minha mãe assumia toda a rotina da casa, e era só cuidado com os filhos. Até que depois, por necessidade foi trabalhar numa fábrica, no turno da tarde e noite, das 14 às 22 horas. Eu e meu irmão íamos à escola pela manhã, enquanto ela limpava a casa e aprontava o almoço. Quando vínhamos do colégio, era só tempo de comer na sua companhia e nos despedirmos. Lá ia ela para o trabalho, enquanto a louça era responsabilidade nossa. E assim foi por muitos anos. Bons tempos.

Naquele tempo, vez por outra eu imaginava como seria atingir outras idades. Seria capaz de ultrapassar os quarenta? Na minha mente jamais acreditava nisso. Mas quarenta de existência me parecia suficiente. Cinquenta já seria “lucro”, e sessenta, então, se lá chegasse, já era um “cheque especial”.

Seis décadas, e o tempo passou depressa
Pois não é que, sem notar, ele chegou? Esta semana sou “sexagenário”.

Seis décadas completadas, com muita história prá contar. Desafios, vitórias, derrotas, lições, aprendizados fazem parte desta jornada. Por isso, o dia do aniversário é tão enigmático para cada um. É certamente um dia de reflexão, principalmente para nós que conseguimos ultrapassar meia centena de idade. O significado deste dia é diferente para cada um e cada uma. Ao chegar aos sessenta, a legislação estabelece um limite, com vantagens e desvantagens. A partir de agora estamos adentrando o patamar de “idoso”.

Das vantagens atribuídas aos sexagenários estão algumas benesses e subsídios, como passagens de ônibus, filas de banco, postos de saúde, etc. Das desvantagens, surgem dificuldades em lidar com doenças, mais cuidados com os exageros, a redução da libido e os esquecimentos. Mas todos nós algum dia teremos de passar por esta experiência.

Somos reconhecidos por nossas "pegadas" e pelas amigos conquistados
O que me conforta é que deixo algumas “pegadas”. São rastros que ao longo do tempo por certo vão se apagar. Mas creio que o caminho deve ficar impregnado de boas lições, pelo menos esta tem sido minha tentativa.

O dia do meu sessentinha foi marcado por inúmeras manifestações de parentes, amigos, colegas e parceiros. Amacia nosso ego ouvir e ler tantas homenagens neste dia. Daquelas recebidas, pouco valor dou para a mensagem do gerente de banco, do vendedor da loja de eletrodomésticos e do corretor de seguros. O tempo me ensinou o que realmente eles me desejam. Gostei extremamente da manifestação dos meus alunos, alguns mais afeiçoados, outros nem tanto. Talvez porque em algum momento eu tenha sido muito áspero sem ter me dado conta. A estes peço desculpas, pois a intenção sempre foi das melhores. E nestas manifestações, uma facilitador deve ser elogiado, o Facebook. Nem eu imaginava ter tantos amigos.

Recebi mensagens de várias partes do país, alem daqueles mais próximos. Duas delas ultrapassaram fronteiras, meu amigo Daniel Mainero, professor de curso técnico em Buenos Aires, e minha amiga e tradutora de espanhol, Maria Aldao, que trabalha numa instituição de apoio à crianças com síndrome de Down em La Coruña, na Espanha.
O Facebook é um facilitador das datas de aniversário

Um telefonema logo cedo me comoveu. Meu pai ligava para me parabenizar, apesar da dificuldade na audição que lhe acomete agora aos oitenta e sete. Assim que desligou, fui tomado pela saudade da minha mãe, que nos deixou há três anos e da qual sinto muito a ausência nestes períodos. No último ano de meu aniversário em que ainda estava conosco, organizou uma pequena surpresa para mim. Ao chegar cansado da sala de aula em casa, me surpreendi com tudo às escuras. Ela sai de trás de uma porta com um bolo na mão e velas acesas cantando o ”parabéns”, juntamente com minha esposa, filha e meu pai. Foi o último abraço de aniversário que desfrutei de minha mãe.

Mas o dia de hoje me faz reconhecer que somente as boas lembranças devem ficar em nossa mente. E que o reconhecimento de que somos motivo a cada ano depende totalmente de estarmos sempre prontos a ajudar, muito mais do que pedir ajuda. Não poderia encerrar esta reflexão sem trazer “pérola” do nosso poeta maior:

Quando eu for... (Mário Quintana)


Quando eu for, um dia desses,

Poeira ou folha levada No vento da madrugada, Serei um pouco do nada Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso...

2 comentários:

Attico CHASSOT disse...

Meu caríssimo Jairo!
Leio tua postagem. De imediato invoco um dos deuses muito cultuado pelos romanos. Janus, que esta semana batizou uma operação policial. Uma das faces de Janus sorria pois via como tu celebravas a ascensão à sessentinha. Trazias como convives de maneira salutar com o adensamento da maturidade. Realmente a face do deus que é homenageado no primeiro mês do ano tinha tudo para estampar alegrias,
Mas a medida que avançava bo teu emocionado relato, a outro face do deus se manifestava, Assomaram lágrimas. Janus no seu lado triste chorava. Fiquei despossuído. Eu não estava e nem devia estar entre os muitos que te parabenizavam.
Eu não te cumprimentei. Logo eu, que como pouco são acarinhados por ti em seu aniversário. Quantas surpresas tens me ensejado. Ainda no último novembro foi aquele sumarento “Uma casa: uma breve história da vida doméstica”.
Janus tinha porque chorar. Que explicação posso dar. Que me divorciei da recepção de alertas do Facebook. Vou trazer a minha esfarrapada desculpa: “cumprimentar atrasado prolonga a comemoração?” Minhas justificativas não têm qualquer abrigo.
Rogo, aceites meus cumprimentos. Elas pretensiosamente querem ser amealhados aos votos das muitos amigos e amigas que te deseja o melhor agora e sempre;
Com amizade e estendida admiração,
attico chassot

Attico CHASSOT disse...

Meu caríssimo Jairo!
Leio tua postagem. De imediato invoco um dos deuses muito cultuado pelos romanos. Janus, que esta semana batizou uma operação policial. Uma das faces de Janus sorria pois via como tu celebravas a ascensão à sessentinha. Trazias como convives de maneira salutar com o adensamento da maturidade. Realmente a face do deus que é homenageado no primeiro mês do ano tinha tudo para estampar alegrias,
Mas a medida que avançava bo teu emocionado relato, a outro face do deus se manifestava, Assomaram lágrimas. Janus no seu lado triste chorava. Fiquei despossuído. Eu não estava e nem devia estar entre os muitos que te parabenizavam.
Eu não te cumprimentei. Logo eu, que como pouco são acarinhados por ti em seu aniversário. Quantas surpresas tens me ensejado. Ainda no último novembro foi aquele sumarento “Uma casa: uma breve história da vida doméstica”.
Janus tinha porque chorar. Que explicação posso dar. Que me divorciei da recepção de alertas do Facebook. Vou trazer a minha esfarrapada desculpa: “cumprimentar atrasado prolonga a comemoração?” Minhas justificativas não têm qualquer abrigo.
Rogo, aceites meus cumprimentos. Elas pretensiosamente querem ser amealhados aos votos das muitos amigos e amigas que te deseja o melhor agora e sempre;
Com amizade e estendida admiração,


attico chassot
Professor da REAMEC